terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

UM DOS MAIS BELOS EPÍLOGOS EM LÍNGUA PORTUGUESA


"Se daqui a longos anos o acaso te fizer encontrar este livro poeirento e amarelecido no recanto abandonado de antiga biblioteca, se o folheares e o leres, tu, quem quer que sejas, em que hoje se aflora a inteligência ao calor e à luz da vida, lembra-te que do fundo de humilde sepultura espero o teu julgamento.
O meu nome nada vale e nada representa, distinguiu neste mundo um ser para sempre imerso nas densas trevas da morte, cuja alma, se ela existe, está unida nos paramos do infinito ao que tanto amou durante a vida!
As ideias aí ficaram cristalizadas em pensamentos puros. Se os meus tristes vaticínios foram verdadeiros, tu o sabes, tu que tens hoje por passado o que eu tive por futuro.
Fazes-me justiça? Se me enganei, tanto melhor; a Providência evitou os males de que tive tristes presságios; se não... se me tivessem atendido, quantas desgraças se haveriam evitado!?Reconheces a minha sinceridade? Ao teu lado, o meu espiríto invisível e mudo, porque o infinito lhe impõe silêncio, agradece-te.
Nada tenho para oferecer-te; bem vês, quando o tive eras tu um enigma no futuro, hoje sou eu um mistério no passado!
Nada tenho?... Não, vai ao cemitério onde repousam os meus restos esquecidos. Abre o meu caixão, desconjuntado e apodrecido pelo tempo; no fundo está um esqueleto hirto, amarelo e seco. Fui eu... é de mim o que resta e o que ainda é meu.
Ofereço-te o meu crânio; talvez no fundo exista o último traço fosforescente da imensa e ardente aspiração que o meu cérebro teve pelos princípios da Humanidade e da Justiça".

Augusto Fuschini, O Presente e o Futuro de Portugal, pp.132-133.

Augusto Fuschini, foi Ministro dos Negócios da Fazenda de Fevereiro a Dezembro de 1893 (o equivalente a Ministro das Finanças) no gabinete de Hintze Ribeiro. Foi igualmente um dos mais brilhantes estudantes do seu tempo na universidade de Coimbra, em Matemática, e que concluiu o curso de Engenharia com altíssima distinção.

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